21.8.05

descarrego

- a senhora não acha que isso aqui merece uma sessão de descarrego?
ela ficou olhando para mim, sem entender muito bem do que eu estava falando. ela, a funcionária avançada do departamento de recursos (des)humanos. sempre que precisamos de alguma orientação ela nos mandar dar um pulinho na sede. putaquipariu! a sede fica a uns quinze minutos de passadas vigorosas. vai ver que ela pensa que somos personagens do filme "matrix", que demos um salto vagabundo e saimos voando pelos ares.
eu a chamei para falar do ambiente da enorme sala da nave-mãe. nunca ouvi tantas lamentações dos colegas. reclamações contra as cobranças, os prazos, os índices, o corte de uma folga no meio da semana útil. tem gente que chega aqui e começa a sentir dor de cabeça e indisposição. fiquei imaginando que uma nuvem de catarro espiritual - resultado do rancor, do cansaço, das preocupações, desgastes, frustrações, esses sentimentos metabolizados do dia-a-dia, paira sobre as cabeças dos sub(estimados) funcionários da nave-mãe dessa que é umas maiores empresas de telefonia do universo. o contato diário e continuado das pessoas mais sensíveis com esse muco resulta em dores por toda a alma.
a primeira coisa que eu imaginei foi em trazer um pai-de-santo para fazer uma sessão de descarrego, mas ao saberem da idéia a ala evangélica da nave-mãe logo protestou e ameaçou uma greve. desdobrei a idéia de um evento ecumênico com a presença de um padre, um pastor protestante, o pai-de-santo, um escritor de livro de auto-ajuda de sucesso, um engenheiro da força de vontade e uma estrela da televisão. talvez a mesma empresa que nos presenteou com réguas e canetas de graça, pudesse fazer algo pelo bem-estar da sua mão-de-obra, essa cambada de esfomeados que espera ansiosa o primeiro dia do mês.
aproveitei que a representante do rh estava presente apresentar minha idéia. porém, ela não levou muito a sério minha pergunta-proposta. com um leve sorrisinho disse que poderia levar a idéia adiante. eu pensei até em sugerir que ela anotasse no lenço que ela usa para assoar o nariz, para não correr o risco de perdermos uma sugestão tão valiosa.
os dias vão passando e o time de técnicos que ingressou na nave-mãe em março de 2004 já não é mais o mesmo. quem sobreviveu resiste incentivado pela informação dada pelo capitão-do-mato de que há uma corja lá fora doida para entrar aqui ganhando a metade do salário.
obrigado, senhor slavedriver, o senhor sabe mesmo causar entusiasmo na equipe toda.

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