"totalmente lost" ou "gêmeos, mórbida coincidência"
e lost acabou ontem. quer dizer, a segunda temporada. eu não sou do time dos que já tinham visto o último capítulo da temporada no mesmo dia em que foi ao ar lá na gringa. não tenho a banda larga. tive que ver no "a xis ene" mesmo (aliás, minha solidariedade aos telespectadores globais que só vão ver a segunda temporada no fim do ano, e se). com tanto spoiler por aê, eu já estava sabendo como tudo ia acabar. mesmo assim não deixou de ser eletrizante.
confesso que estava meio desanimado com os episódios que rechearam a temporada. ainda mais quando prenderam e torturaram o henry. aquele iraquiano é mesmo um malvado. todo mundo embarcou numa onda meio sádica que não me fez muito bem. por outro lado, afastou o perigo de um maniqueísmo, que sempre reina nos filmes de aventuras. ninguém é obrigado a ser como o capitão planeta sempre.
o último capítulo valeu a pena e me criou uma ansiedade muito grande. fiquei, inclusive, muito comovido com a história de desmond. vou torcer muito por ele, assim como torci para a mônica e cemil, naquela novela "belíssima". é verdade.
por causa dessa expectativa toda pelo seriado, tentei chegar o mais rápido possível em casa. do humaitá fugi pelo rebouças e saltei no boulevard vinte oito de setembro.
ao ingressar no outro coletivo (a famigerada baldeação), minha esquizofrenia de nível 0,5 começou a borbulhar. quem anda de ônibus deve ter reparado que o povo está muito mais unido. vocês já repararam? os fabricantes de carrocerias para veículos de transporte coletivo, como ciferal, volvo e marcopolo querem a população mais junta. imagine você a via crúcis de um usuário médio de ônibus com uma mochila contendo os apetrechos de sempre e mais o volume considerável de uma marmita vazia - dessas vendidas no "amigão", em que cabem seis colheres de arroz, dez de feijão, uma mão cheia de farofa, uma coxa não-desossada de frango e algumas rodelas de tomate e cebola.
este ser humano está sendo submetido a um verdadeiro processo de moagem, algo como uma má digestão, que começa na roleta e acaba na porta traseira do veículo. isso porque o espaço entre as duas fileiras de poltronas diminuiu, obrigando até o mais puritano dos passageiros a dar uma esfregadinha, também conhecida como sarrada, nos companheiros e companheiras de percurso, em horários de pico, ou seja, de cinco da manhã às dez da noite. nessas hora eu lembro do slogan do tributo ao inédito, "união nem que seja a força". isso não significa que jamais seremos vencidos.
consegui desbravar o corredor polonês e me instalei todo atrapalhado perigosamente perto de um sujeito acolhedor que me recebeu com um "chega mais". havia também uma senhora desconfiada que me olhava meio atravessado. devia pensar que eu era trombadinha ou um assediador. então, olhei para uma fileira de poltrona e depois para a outra e entrei em pânico. havia dois pares de irmãos gêmeos sentados em lados opostos. olhei de novo e eles continuavam lá. parecia uma falha no sistema da matrix. aquela mórbida coincidência não poderia indicar algo muito bom para aquela viagem. e olha que íamos subir a serra grajaú-jacarepaguá, que tem uma das pistas mais mal-afamadas de toda a cet-rio e que corta mais de duas favelas. definitivamente, alguma coisa vai acontecer.
o mais provável naquela hora era que o ônibus, desgovernado, despencasse num dos precipícios da floresta da tijuca. a carroceria se partiria em duas partes. uma delas rolaria mais que a outra caindo mais embaixo no cânion. alguns morreriam e outros sobreviveriam em meio às ferragens. passado o susto, os mais audazes se encorajariam a escalar a mata íngreme em busca de socorro e surpresos, descobririam que a floresta simplesmente não acaba. sacam-se celulares e eles não funcionam. espera-se horas, dias e semanas e nem a defesa civil, nem os bombeiros e nem o caldeirão do huck aparecem.
a comida, que se resumia aos produtos vendidos por um camelô, acaba em menos de um dia. ele ainda tenta vender sua mercadoria inflacionada, mas tudo que consegue são notas promissórias, tickets-refeição e cheques que não vão servir para nada. alguns passageiros padecem de disenteria devido ao consumo demasiado de amendoim. outros, para matar a fome, se vêem na necessidade de comer araras, preguiças, cotias, vira-latas do mato, enfim, animais silvestres protegidos pelo IBAMA.
só o tempo mostraria que os sobreviventes ainda teriam que enfrentar vários outros percalços.
justamente no dia do último capítulo de lost, eu me transformaria num de seus personagens, na versão carioca. só assim, de ônibus da viação redentor, pois de oceanic airlines não ia rolar mesmo.
oito horas da noite. chego em casa.